Sunday, September 02, 2007

Miquel Barceló, artista africano

Fiz esta entrevista a Miquel Barceló em Março na cidade de Luanda. Barceló é a estrela do pavilhão da Trienal de Luanda na Bienal de Veneza.


O artista espanhol Miquel Barceló, estrela do pavilhão que a Trienal de Luanda vai montar na Bienal de Veneza deste ano, mostrou-se satisfeito pelo convite para se apresentar em Itália como artista "africano".
"Venho vivendo em África nos últimos 20 anos, por isso, pareceu-me muito bem o convite. É um paradoxo real, produto da realidade. No Ocidente somos demasiado acomodados e é bom mudar as perspectivas e agitar um pouco as coisas", explicou Barceló em entrevista exclusiva à Agência Lusa, na sua passagem recente pela capital angolana.
Artista plástico consagrado nos dois lados do Atlântico, desde a década de 80 que vive parcialmente no Mali, tendo viajado por alguns países do continente em busca de inspiração para as suas obras.
Admirador de Fernando Pessoa há mais de três décadas, este pintor, escultor e ceramista nascido em Maiorca, afirmou ter-se lembrado de um pesadelo de Álvaro de Campos ao ver a floresta de gruas do porto de Luanda.
"A memória que o Ocidente tem de Angola é a da guerra e das minas, quando há outras coisas para identificar um país. Lembro-me que, nos primeiros anos da década de 80, fui a Portugal porque estava a ler Fernando Pessoa, não tinha qualquer outra razão", explicou.
"Estive seis, sete meses a pintar no Alentejo, conheci aí a minha mulher. Tudo porque estava a ler Pessoa: um artista pode mudar não só a nossa percepção de um país, como também a nossa vida", garantiu.
Volta e meia ainda pensa em desenhar os heterónimos, atraído "por esse jogo de confusão e semelhança", e chegou a traduzir ‘Tabacaria’ para francês, como um "exercício de amor".
Hoje, mantém com Fernando Pessoa, a quem considera "um dos maiores poetas do século XX", uma relação tão forte como quando tinha 20 anos.
Chegou à capital angolana a convite da Trienal de Luanda sem conhecer Angola, apenas conhecia a colecção Sindika Dokolo, a mais importante colecção de arte contemporânea africana.
"Gostei muito que houvesse uma colecção de arte africana com uma obra minha e como me convidaram para vir aqui como artista africano, não podia dizer que não", afirmou Miquel Barceló.
Professor no Mali, onde tem casa e aonde volta todos os anos, diz que veio encontrar em Angola alguns jovens artistas interessantes, "gente muito inquieta e muito curiosa" que lhe lembra "essa energia" que havia na Espanha dos anos 70, depois da morte de Franco.
Barceló, prémio Príncipe de Astúrias em 2003, passou uma semana em Angola em Fevereiro e leva do país a ideia de que aqui, provavelmente, reina "o capitalismo mais selvagem do mundo".
Numa das suas estâncias no Mali, chegou a pensar ficar para sempre em África, no entanto, acabou por descobrir que nem física, nem intelectualmente, aguentaria, no entanto, reconhece que as temporadas que foi passando neste continente "mudaram-lhe radicalmente" a vida, "a percepção do mundo" e o seu trabalho.
"Fiz a viagem oposta à daqueles que agora vão morrendo afogados nas Canárias, às portas da fortaleza da União Europeia. Esta viagem permitiu-me limpar a minha obra e impediu-me de me tornar uma caricatura de mim próprio", explicou.
"Quando fui para África, não fazia ideia para onde ia. Só tive noção quando lá cheguei", confessou o artista.
Prezando a sua independência estética, Miquel Barceló não se importa de, "num mundo tão virtual" como o que hoje existe, continuar a trabalhar com um material tão físico como o barro.
"Todas as pessoas que conheço fazem obras digitais, com câmaras fotográficas ou projecções luminosas, eu sempre gostei do contrário, que a pintura mostrara a sua materialidade. Sempre gostei de ir contracorrente e gosto da pintura, uma arte caduca que continuamente ressuscita, como o conde Drácula", sublinhou.
"Necessito muito de fabricar com as minhas mãos. O meu trabalho tem muito de físico e muitas vezes fala desse tema, da materialidade das coisas. Num mundo tão virtual, gosto do barro porque é muito parecido com a carne, com a pele", referiu.
Na Bienal de Veneza, como artista "africano", irá mostrar um desses trabalhos muito físicos que usa o barro como matéria-prima: a "performance" "Paso Doble", criada em conjunto com o bailarino e coreógrafo Josep Nadj para o Festival de Teatro de Avinhão em 2006.

1 Comments:

Blogger Tensegridade Campeche said...

Adoro a obra desse artista, principalmente da sua obra com terra! Porque é aí que Barceló se apresenta mais vigoroso, mais crítico e apaixonado tanto pela terra quanto pela pintura, e ele é uma de minhas principais referências pois compartilhamos essas mesmas paixões!Na minha monografia de conclusão de curso de Artes Visuais tem um capítulo dedicado á sua obra.ver em: www.selapintura.com

8:48 AM  

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